No dia 22 de março de 2023, William de Jesus Batista saiu de casa, como era rotina, para trabalhar. Ele tirava o pão de cada dia no Centro de Abastecimento da Bahia (Ceasa), que fica na divisa entre Salvador e Simões Filho. Mas o rapaz não voltaria para a família. É que ele foi executado, a sangue frio, por policiais militares da 49ª Companhia Independente (CIPM). Essa foi a conclusão da Corregedoria da corporação, após analisar imagens, ouvir os suspeitos e testemunhas.
Naquela quarta-feira, de acordo com a apuração do Portal do Casé, William trabalhou normalmente. Como era dia de feira mais movimentada, o vai e vem foi forte. Por volta das 11h40, já com poucas pessoas nos boxes, ele se sentou com um colega e ambos começaram a fumar maconha. Nesse momento, uma viatura da PM passava pela região e os policiais, quatro soldados, resolveram abordar a dupla. Batista foi colocado na viatura e desapareceu.
Os nomes dos quatro agentes que deveriam fazer segurança pública não serão divulgados, já que o processo segue na Justiça da Bahia e ainda não aconteceu o trânsito em julgado, quando não cabem mais recursos.
William foi encontrado já sem vida no Hospital Menandro de Faria e o caso foi registrado pelos próprios PMs na Corregedoria. Os quatro disseram que faziam rondas no bairro do Barro Duro, que fica na região do Ceasa, quando se depararam com dois homens em uma motocicleta. Um deles era William. Os soldados ainda argumentaram que hove uma tentativa de abordagem e o rapaz disparou contra a viatura. Na versão deles, houve o revide e William acabou ferido. Ele foi levado para o hospital, mas não resistiu.
Ainda perante a Corregedoria, os PMs argumentaram que foi encontrado com o "resistente" um revólver calibre 38, além de cartuchos e drogas, a exemplo de maconha e cocaína. Foi o estopim para a revolta de parentes da vítima. Eles sempre desmentiram essas informações e chegaram a fazer um protesto na BA-526 (CIA/Aeroporto) um dia depois do crime.
IMAGEM DETERMINANTE
Foi a imagem de uma câmera de segurança que derrubou a versão mentirosa dada pelos soldados. William não estava em moto, tampouco armado. O vídeo mostra que a família dele estava certa: o rapaz estava sentado, no Ceasa, quando foi parado pela guarnição. Em poucos segundos e sem violência, ele é colocado na parte da viatura destinada a criminosos. Mas o que aconteceu entre às 11h54 - quando a viatura da Polícia Militar deixa o Ceasa - e às 12h20 - quando William dá entrada no hospital -?
Veja o tweet
Após o vídeo vir à tona, a Corregedoria da Polícia Militar da Bahia chamou novamente os quatro policiais envolvidos na ocorrência. Eles se calaram.
No decorrer do processo, a PM ouviu ainda duas irmãs de William e o homem que aparecia com ele na imagem, amigo do Ceasa. As mulheres, inclusive, disseram em depoimento que receberam fotografias de William já ensanguentado, com a versão da "troca de tiros". Ambas foram enfáticas ao afirmar que ele não tinha qualquer envolvimento com a criminalidade. Já o trabalhador que estava com a vítima e viu a abordagem confirmou que estavam fumando maconha quando foram surpreendidos pelos PMs.
Com todas as provas, o Tribunal de Justiça da Bahia pediu a prisão dos servidores públicos. Procurada pela reportagem do Portal do Casé, a assessoria do Ministério Público nada falou sobre o crime. Apuramos que, no dia 3 de outubro, o juiz Vilebaldo José de Freitas Pereira recebeu e acatou a denúncia.
"Requisite-se os antecedentes criminais do denunciado e demais certidões, expeça-se memorando ao IML, requisitando o Laudo Cadavérico, se for o caso, havendo apreensão de celular, conferir se houve degravação de todas as conversas encontradas, inclusive em aplicativos de conversação como o 'WhatsApp'. Certifique-se o Cartório acerca da existência de procedimentos criminais porventura instalados em desfavor do(s) acusado(s)", mandou o magistrado.
ESTRADA E TIROS DE CIMA PARA BAIXO
A reportagem obteve acesso com exclusividade trechos do laudo balístico realizado no corpo de William. "Orifício de entrada de projétil no hemitórax esquerdo, na linha axilar posterior, com trajeto de trás para diante, da esquerda para a direita, e de cima para baixo, com o correspondente orifício de saída no hemitórax direito. Decesso ocasionado por um traumatismo torácico provocado por projétil de arma de fogo", resume.
Médicos ouvidos pela reportagem apontam que, na prática, isso quer dizer que a bala que matou o trabalhador entrou pelas costas, do lado esquerdo, e saiu no peito direito. Segundo eles, nesse caso, há duas possibilidades: ou a pessoa estava em uma posição mais alta que a vítima; ou a pessoa que atirou é mais alta.
A perícia também sabe que o local onde William foi morto era em uma estrada de barro. Acredita-se que ele tenha sido assassinado no Barro Duro, mesma região onde fica o Ceasa. Logo depois, o "socorro" foi dado.