Vendas de maconha pelo Instagram, movimentações financeiras milionárias envolvendo empresas e ligação com piloto de aeronave investigado por tráfico de drogas. Esse é o resumo da investigação que prendeu, na semana passada em Salvador, Vitor Antonio Peixoto Lobo. A Polícia Civil apontou que o produto traficado é usado em cigarro eletrônico, também conhecido como “vape”.
O Portal do Casé teve acesso, com exclusividade, a detalhes das apurações da Polícia Civil e do Ministério Público. Descobriu também o nome do segundo preso: o piloto e ex-servidor do Ministério Público Federal David Carlos Ferreira, o "Carlinhos". Ele já estava preso em São Paulo.

Relatório do Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas e Investigações Criminais (Gaeco) começa apontando referência a duas contas de Instagram que Vitor usava para a suposta venda da maconha: Kalinetaspen e Kalinetaspen 2. Segundo o MP, ele também usava a conta pessoal para essa ação. Lobo, inclusive, figura como sócio de empresas que atuam no tratamento médico e terapêutico utilizando a maconha.
O público-alvo eram moradores dos bairros do Rio Vermelho e Graça, localidades nobres da capital baiana. Os policiais chegaram a desconfiar que o grupo criminoso possui um laboratório dentro de um hotel desativado.

INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS
O Tribunal de Justiça autorizou interceptações telefônicas, quebras de dados telemáticos, Instagram e quebras de sigilos bancários e fiscais. "A partir das informações, foi possível verificar a existências de fortes indícios da comercialização de substâncias entorpecentes, de modo que as fases da investigação se mostraram cada vez mais efetivas no encontro de indícios da autoria e materialidade dos delitos", apontaram os promotores.
Uma ligação telefônica entre Vitor e uma mulher, em julho de 2024, chamou a atenção dos investigadores. Na conversa, a mulher afirma que um rapaz "ficou doido" e "com uma fome desgramada". No decorrer da chamada, ambos falam sobre gotinhas de canabidiol, substância extraída da planta de cannabis. Um áudio no WhatsApp, também interceptado, sustenta que um homem questiona a Vitor quanto seria para enviar uma espécie de maconha para Goiás.

EMPRESAS LIGADAS AO ESQUEMA
No relatório de investigação, Polícia Civil e Ministério Público, além dos presos Vitor e David, citam também outras 10 pessoas e 11 empresas que estariam ligadas ao esquema de tráfico de drogas. Todos chamaram a atenção por conta de relatórios enviados pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF). Entre junho de 2021 e março de 2022, por exemplo, os investigadores dizem que Vitor recebeu créditos de R$ 1.850.096,24.
"Depósitos, aportes, saques, pedidos de provisionamento para saque ou qualquer outro instrumento de transferência de recursos em espécie, que apresentam atipicidade em relação à atividade econômica do cliente ou incompatibilidade com a sua capacidade financeira", escreveram.
Entre as empresas que o Gaeco diz estar ligada a Vitor está a Like Vapes, que está em nome de uma mulher. Entre junho de 2020 e junho de 2021, a firma movimentou R$ 2.892.338,00. A finalidade dela, porém, seria de tabacaria, com faturamento anual de R$ 498.105,00. Para a polícia e MP não há dúvida: a mulher apontada como dona da Like é, na verdade, “laranja” na engrenagem criminosa delineada pelo investigado Vitor Lobo.
Na lista das 10 pessoas e 11 empresas investigadas aparece a AR Digital, uma firma com sede em Foz do Iguaçu, no Paraná. A cidade faz fronteira com o Paraguai, onde vapes são encontrados facilmente. Apesar de, segundo os investigadores, não ter "site ou perfil de vendas em sites de ecommerce para a empresa", foram movimentados R$ 8.383.886,40.
Outra firma que também é investigada é a Global Exchange Pagamentos, registrada em nome de David Carlos Ferreira, o piloto de avião também preso na operação. Ele já tinha sido preso em outra oportunidade transportando drogas do Paraguai para o Brasil. Uma das empresas em seu nome está a DDM AVIAÇÃO LTDA, envolvida em um esquema de lavagem de dinheiro oriundo do tráfico de armas no ano de 2023.
JUSTIÇA
Todo o relatório foi encaminhado ao titular da Vara dos Feitos Relativos a Delitos de Organização Criminosa, Cidval Santos Sousa Filho. Para ele, é "inegável os indícios da existência de um esquema criminoso, envolvendo, a princípio, empresário que atua no ramo de fármacos, em ações delituosas relacionadas à tráfico de drogas e ocultação ou dissimulação da natureza de valores provenientes, direta ou indiretamente de infração penal".
"No caso dos autos, o crime antecedente que fundamenta a acusação de lavagem de dinheiro é possivelmente o tráfico de drogas, como evidenciado pelas provas coletadas durante a investigação. A suposta materialidade do tráfico de drogas está nas conversas interceptadas via áudios e diálogos, que demonstram a negociação e a venda de entorpecentes", entendeu o magistrado.
OS INVESTIGADOS
Até a publicação desta reportagem, os advogados de Vitor e David não tinham se manifestado. O Portal do Casé teve acesso ao depoimento de Vitor, depois de ele ser preso pela Polícia Civil, na segunda-feira. Dentre os pontos citados, disse que não conhece David. Também negou que use contas no Instagram para traficar maconha. Vitor Lobo ainda sustentou que seus clientes "só conseguem adquirir qualquer produto com prescrição médica".