O ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, usou a estrutura do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para supostas apurações irregulares para embasar suas próprias decisões, quando ele estava presidente da corte. É o que mostra uma série de reportagens da Folha de São Paulo, que estreou na terça-feira (13) e, nesta quarta, já continua. O chamado "Vaza Toga" traz conteúdos de conversa, pelo WhatsApp, do ministro com assessores do alto escalão do TSE.
As mensagens eram trocadas, segundo a Folha de São Paulo, entre Alexandre de Moraes; o juiz instrutor do gabinete dele no STF, Airton Vieira; o juiz auxiliar de Moraes durante a sua presidência no TSE, Antônio Vargas; e o chefe da Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação, Eduardo Tagliaferro. Os alvos eram simpatizantes do então presidente Jair Bolsonaro (PL), envolvidos principalmente no chamado inquérito das Fake News, sob a batuta do próprio Alexandre de Moraes.
Uma das mensagens vazadas pela Folha mostra que, em dezembro de 2022, Airton Vieira enviou um pedido para Tagliaferro, com medida já determinada. "Vamos levantar essas revistas golpistas para desmonetizar nas redes", escreveu às 18h11 do dia 6 de dezembro. "Salvo engano já fiz essa revista, mas olho sim", respondeu Tagliaferro. "Essas e outras do mesmo estilo", rebateu o colega. "Xiii não vai sobrar internet mais", completou Eduardo Tagliaferro.
Esse pedido específico, conforme a Folha, tinha um alvo: a Revista Oeste, veículo simpatizante ao ex-presidente Bolsonaro. Ao ser informado por Tagliaferro que foram encontradas apenas "publicações jornalísticas", Airton Vieira respondeu: "Use a sua criatividade...rsrsrs". "Pegue uma ou outra fala, opinião mais ácida e...O ministro entendeu que está extrapolando com base naquilo que enviou...", complementou.
Outro alvo escolhido por Alexandre de Moraes, segundo as mensagens obtidas pela Folha, foi o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL). As conversas, de novembro de 2023, apontam que Marco Antônio Vargas e Eduardo Tagliaferro precisavam ligar o filho do ex-presidente com Fernando Cerimedo - argentino que replicava em suas lives desinformação sobre fraudes no sistema eleitoral brasileiro -. "Ele quer pegar o Eduardo Bolsonaro", enviou o juiz no dia 4 de novembro.
No dia 6, as mensagens entre Airton e Tagliaferro voltam a falar sobre Eduardo Bolsonaro. "Se prender o EB, o Brasil entra em colapso". "Esse é bandido", respondeu o juiz auxiliar de Alexandre de Moraes.
Na reportagem de segunda-feira, a Folha de São Paulo mostrou que, em alguns casos, as mensagens indicam que o então presidente do TSE pedia ajustes no relatório produzido pelo setor de desinformação. É o caso, por exemplo, do jornalista Rodrigo Constantino, do influenciador Paulo Generoso, e o ex-apresentador da Jovem Pan, Paulo Figueiredo.
IMPEACHMENT
No mesmo dia que a reportagem da Folha saiu, o senador Eduardo Girão (Novo-CE) afirmou, em pronunciamento na terça-feira (13), que um grupo de senadores e deputados está fazendo um pedido de impeachment coletivo do ministro Alexandre de Moraes. O parlamentar destacou que o documento, com mais de 20 páginas, lista ilegalidades que teriam sido cometidas pelo ministro. Segundo Girão, as assinaturas serão colhidas até o dia 7 de setembro.
"O ministro tem sistematicamente ferido pelo menos quatro artigos da Lei 1.079, de 1950, que regulamenta o processo de impeachment. São eles: o 2º, o 39º, o 41º e o 80º, ao violar o sistema acusatório do devido processo legal e do Estado democrático de direito. [...] O ministro Moraes fere também, frontalmente, os artigos 1º e 13º da Lei 13.869, de 2019, sobre crimes de abuso de autoridade, além do Código Penal [Decreto-Lei 2.848, de 1940], em seu art. 319, que define o crime de prevaricação como "retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal [...]"
Para Girão, o caso mais “explícito e cruel” da prática do crime de prevaricação de Moraes se deu com Cleriston Pereira da Cunha, 46 anos, que morreu dentro da penitenciária da Papuda após um infarto fulminante. Ele estava preso por suspeita de envolvimento nos atos de vandalismo no dia 8 de janeiro de 2023, em Brasília. Segundo o senador, Cleriston tinha várias comorbidades e foi ignorado pelo ministro ao pedir para responder ao processo em liberdade.
O parlamentar também citou os casos de Silvinei Vasques, ex-diretor da Polícia Rodoviária Federal (PRF), que ficou preso preventivamente por um ano, e de Filipe Martins, ex-assessor especial para assuntos internacionais do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, que ficou preso por seis meses por suposta participação em tentativa de golpe para manter o ex-presidente no poder.