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De ideais nazistas a casos de amor: veja tudo que se sabe sobre mortes de oito envenenados no Piauí

Data:
Jean Mendes

As investigações começam no dia 22 de agosto de 2024, quando duas crianças morreram

De ideais nazistas a casos de amor: veja tudo que se sabe sobre mortes de oito envenenados no Piauí
Divulgação/Polícia Civil

Um dos piores assassinatos em série da história recente brasileira, revelando um enredo de amor e ideais nazistas. Esse é a trama por trás do caso de oito execuções - sendo sete de uma mesma família, incluindo crianças. A Polícia Civil do Piauí detalhou, na noite de domingo (2), mortes em série que aconteceram em Parnaíba, no litoral do estado. Terbufós, um veneno, foi usado em todas as ocasiões.

Para começar a entender a situação, é preciso já identificar o homem por trás de tudo: Francisco de Assis Pereira Costa, marido de Maria dos Aflitos Silva. Então, para detalhar: Francisco era “avôdrasto” da família. Nas próximas linhas, você vai entender como eles agiram.

Francisco. Foto: TV Clube
Maria dos Aflitos. Foto: TV Clube

As investigações começam no dia 22 de agosto de 2024. João Miguel Silva, de 7 anos, e Ulisses Gabriel Silva, de 8, passaram mal após ingerirem cajus contaminados. Os meninos eram netos de Maria dos Aflitos. Eles foram internados, mas morreram semanas depois.

Mas quem tinha motivação para envenenar duas crianças indefesas? Investigações da Polícia Civil, induzida a erro por Francisco e Maria dos Aflitos, apontou para uma criminosa: Lucélia Maria da Conceição, a vizinha dos fundos. Com histórico de temperamento explosivo e com problemas com crianças do bairro, ela era criminosa com motivação perfeita. Foi presa logo em seguida.

Durante a investigação, a Polícia Civil, cumprindo mandado de busca e apreensão, encontrou terbufós na casa de Lucélia, substância que havia negado possuir. Além disso, um gato foi encontrado morto em frente à sua residência. A perícia confirmou que ele também havia sido envenenado. Em depoimento, declarou que o irmão a havia ensinado a usar pesticida nos cajus para Maria dos Aflitos.

NOVOS CRIMES INOCENTAM LUCÉLIA

Com Lucélia presa, por supostamente envenenar os cajus, não era natural que novas mortes acontecessem. Mas ocorreram e acenderam um sinal de alerta para a Polícia Civil. No primeiro dia de 2025, nove membros da família passaram mal após almoçar baião de dois.

Cinco morreram nos dias seguintes: Manoel Leandro da Silva, 18 anos; Igno Davi da Silva, 1 ano e 8 meses; Maria Lauane da Silva, 3; Francisca Maria da Silva, 32; Maria Gabriela da Silva, 4. 

Maria dos Aflitos e Francisco de Assis apontaram que o alimento envenenado seriam peixes doados por terceiros, na tentativa de fazer com que a suspeita de uma possível intoxicação alimentar recaísse sobre outra pessoa. No entanto, segundo a Polícia Civil, exames toxicológicos comprovaram que o alimento envenenado foi, na verdade, um baião de dois preparado no dia 31 de dezembro de 2024.

As investigações mostraram que o alimento foi contaminado após a festa de Réveillon, ocasião em que apenas Maria dos Aflitos e Francisco de Assis estavam acordados. O alimento foi requentado no dia seguinte, por ordem de Francisco, e servido à família.

Baião. Foto: redes sociais

A perícia demonstrou que o veneno foi introduzido na panela onde o arroz foi originalmente preparado e armazenado. Maria dos Aflitos foi a única que declarou que não comeu nenhum alimento no horário da refeição. Francisco mudou de versão sobre o consumo do alimento todas as vezes em que foi questionado pelos investigadores, apresentando sintomas apenas quase quatro horas após o ocorrido.

A versão de Francisco foi logo desconfiada pela perícia, porque seus sintomas podem caracterizar uma contaminação dérmica, pelo manuseio da substância, e não por ingestão. No dia 8 de janeiro, ele foi preso.

Maria confessou o assassinato em série, após ser presa no dia 31 de janeiro. Ela disse que os primeiros envenenamentos foram cometidos por Francisco, que desprezava seus filhos e netos. Disse que desconfiou dele, mas que estava "cega de amor". Ainda segundo ela, seu companheiro premeditou a história dos cajus para envenenar as crianças e acusar Lucélia.

Maria confirmou que as duas primeiras crianças mortas, em agosto, teriam sido envenenadas através de um suco, do tipo refresco, e que Francisco adicionou veneno ao arroz durante a madrugada, enquanto ela dormia.

VIZINHA E CASO AMOROSO

No dia 22 de janeiro, e com Francisco já preso, mais uma morte chamou a atenção dos investigadores. Maria Jocilene da Silva, de 41 anos, vizinha de Maria dos Aflitos, morreu após ingerir café na casa da suspeita. Segundo as investigações, as duas mulheres possuíam um envolvimento amoroso de longa data, antes mesmo da chegada de Francisco de Assis à família.

Jocilene havia sido hospitalizada após o episódio do Réveillon e recebeu alta. Ela foi a única que permaneceu cuidando de João Miguel e Ulisses Gabriel no hospital e chegou a perder o emprego por isso. Além disso, havia denunciado a falta de assistência de Maria dos Aflitos às crianças.

Para tentar despistar a polícia, Maria dos Aflitos afirmou, no momento da chegada dos agentes, que Jocilene teria sofrido um infarto, justificando que a vítima já teria tido um episódio similar anos atrás, em Brasília. O depoimento, registrado em áudio, reforça a linha investigativa de que a idosa tentou confundir as autoridades e encobrir mais um envenenamento dentro da própria casa.

Maria dos Aflitos foi presa e confessou que matou a amante. No depoimento, revelou que envenenou a vítima acreditando que isso ajudaria a libertar Francisco de Assis, assim como aconteceu com Lucélia. 

"O que houve é que eu tava cega de amor pelo Assis, e pra ter ele de volta, poderia acontecer o mesmo caso", afirmou a suspeita. "Gosto muito dele, ainda gosto", completou.

"A investigação revelou o modus operandi utilizado nos dois primeiros: oportunidade e a justificativa. Divergindo do terceiro, praticado apenas por Maria dos Aflitos", explica o delegado Abimael Silva.

MOTIVAÇÃO

A Polícia Civil do Piauí indicou que Francisco de Assis tinha profundo desprezo pelos filhos e netos de Maria. Ele controlava os alimentos da casa, armazenando-os em um baú trancado, cuja chave ele carregava pendurada no pescoço, levando a episódios de fome na residência.

Durante buscas, a polícia encontrou documentos que reforçam sua obsessão por ideais nazistas. A dimensão da crueldade de Francisco se aprofundou com a análise de livros encontrados no baú e em uma segunda casa que somente ele tinha acesso. Entre as obras, uma chamou a atenção dos investigadores: Médicos Malditos, que detalha práticas da SS nazista.

Segundo a Polícia Civil, trechos estavam grifados, incluindo uma anotação sobre o uso de substâncias para matar pessoas: 

“mas para despistar as futuras vítimas, o produto deveria ser eticaz e sem gosto”, descrição que coincide com as propriedades do terbufós.

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