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Quatro anos depois, sobrevivente da "chacina dos motoristas de app" pede ajuda e relembra momentos de terror

Data:
Jean Mendes

Nivaldo Santos Vieira conversou com a reportagem do Portal do Casé, rapidamente

Quatro anos depois, sobrevivente da "chacina dos motoristas de app" pede ajuda e relembra momentos de terror
Divulgação/Sindicato dos Motoristas por Aplicativo

O dia 13 de dezembro de 2019 ficou manchado de sangue na história da Bahia. Naquela madrugada de sexta-feira, quatro motoristas de aplicativo, que estavam apenas tentando levar o pão de cada dia para casa, foram executados de maneira fria por bandidos que queriam apenas o mal. Quatro anos depois, o único sobrevivente do caso que ficou conhecido como chacina dos motoristas de app vive com traumas, medo e sem suporte da empresa 99. Nivaldo Santos Vieira conversou com a reportagem do Portal do Casé, rapidamente.

Hoje, o trabalhador contou que vive escondido no interior da Bahia com a família e, durante a entrevista, pediu apenas duas coisas: que pudesse manter preservado ao máximo sua imagem e que, se possível, divulgasse uma "vakinha virtual" que levanta dinheiro para despesas básicas (CLIQUE AQUI E AJUDE COM QUALQUER VALOR).

Mesmo com o medo, Nivaldo concedeu entrevista, nessa semana, para o canal Crimes S/A, no YouTube. Durante pouco mais de uma hora, ele relatou os momentos de terror vividos. Para que Nivaldo não relembrasse tudo (de novo), as aspas que vamos usar nessa matéria são as mesmas dadas ao canal. Vieira relatou que, na oportunidade, o único dinheiro que tinha era para colocar gasolina no seu carro e sair para trazer o alimento do meio-dia. Mas ele se viu envolvido em uma das piores histórias de crimes no estado.

"Só tinha R$ 20 e meu carro não tinha combustível. Eu disse para minha esposa que sairia para trabalhar e 12h eu voltaria com o alimento. Depois, sairia para trabalhar novamente às 16h. Abasteci o carro com R$ 20 e tive uma chamada para Camaçari. Perguntei à cliente se a viagem era em dinheiro, e ela falou que era em cartão e cancelou. Depois, veio uma corrida de Sussuarana para Pau da Lima. Foram duas pessoas até uma clínica. Deu R$ 7, em dinheiro. Aí, veio a outra corrida, do Santo Inácio para o metrô do Acesso Norte. Imaginei que era uma pessoa saindo de uma festa, e iria para o metrô. Para mim, seria bom pegar essa corrida", disse.

"Quando cheguei na rua, vi que tinha uma empresa ao lado e, do outro, vários barracos. Por motivo de segurança, mandei mensagem e disse que não iria entrar na rua. Não dava para ver quem eram as pessoas. Quem chamou, chamou a corrida pelo celular de Sávio [uma das vítimas]. A pessoa disse: 'vou até você'. Coloquei o 'bico' do carro na rua e vieram duas pessoas: um homossexual e uma travesti [...] A travesti estava com um vestido. Eles colocaram a mão na maçaneta. Tentaram abrir e estava travado, o carro. A travesti confirmou o nome do cliente. Quando destravei, a pessoa que estava no fundo colocou o 38 na minha cabeça. Me deram coronhada e pediram que eu seguisse", contou, ainda, Nivaldo Vieira.

Além de Sávio, morreram Alisson Silva Damasceno dos Santos, Daniel Santos da Silva e Genivaldo da Silva Félix.

Sávio, Alisson, Daniel e Genivaldo.

O QUE OCORREU DENTRO DO IMÓVEL?

"Alisson olhou para mim e balançou com a cabeça. Ali, já tinha um corpo no chão com um saco na cabeça. Os criminosos me espancaram e começaram a cheirar cocaína. Só faziam nos espancar. O chefe falava assim: 'você tem dinheiro?'. Eu disse que só tinha R$ 7. Ele disse: 'então, você tá morto'. Eu falei que tinha filhos, para ele olhar no meu celular. Ele disse que nada iria comover ele. Comecei a orar e a travesti começou a me agredir. O chefe, que eles chamavam de 'coroa', disse para chamar o outro, que a favela estava acordando. Não entendi nada que estava acontecendo ali. Alisson, por exemplo, apelou para não morrer", sustentou o sobrevivente.  

"O bandido que estava com uma submetralhadora não batia em ninguém. Perguntamos a ele se a gente precisava morrer. Ele disse que, se dependesse dele, ninguém iria morrer. O cunhado dele rodava, inclusive, por aquelas áreas. Eu falei: 'posso orar?'. Ele disse que só Deus mesmo, para me tirar dali. Aí, o 'baixinho' [outro bandido] chegou com um saco grande, para colocar nossos corpos. Desde que cheguei, tinha certeza que não ia morrer [...] Quando eles começassem a atirar, você se joga. A todo o momento eu ouvia essa voz. Sou muito fiel a Deus. Tive certeza que ali era o Espírito Santo. Naquele momento, eu chorava e sorria ao mesmo tempo. Eu tinha certeza que não ia morrer", contou Nivaldo.

A FUGA

Depois que o sol começou a raiar, os criminosos começaram as execuções. Foi nesse momento que Nivaldo conseguiu se arrastar.

"A gente estava com as mãos amarradas. Nesse momento, eu sabia que era fio de rede de telefone que estava amarrado em mim. Deixei um pouco folgado, e saiu. Peguei no ombro de um deles [vítimas] e me joguei. Foram de três a cinco segundos. Ouvi: 'poca, poca'. Eles deram mais de 20 tiros. Eu tentava ficar em pé e caía. No final, eu via as balas passando por cima de mim. Quando sacudi o pé de mamona, eles atiraram naquela direção. Eu saí do buraco, deitado, pois não tinha mais forças na perna. Saí, me rastejando. No meio do nada, passava um córrego e bebi água. No final, do local, tinha um barranco bem alto. Havia resto de quentinhas e entulho. Tinha uma luz lá em cima. A voz falou que seria minha salvação", sustentou o então motorista por aplicativo.

"Nessa subida, tive vários cortes. Eram vários entulhos. Eu vi cachorros latindo. Pensei: se tem cachorro, tem segurança. Quando cheguei no plano, vi uma casa do lado e vi os matos baixos. Eu não aguentava mais ficar em pé. Os cachorros ficaram ao meu lado, e eu deitado. Aí, levantei. Só falava em socorro e o segurança veio, com arma em punho. Eu falei que era motorista de aplicativo, e tinham me sequestrado. Aonde eu saí, era stand de tiro do presídio de Salvador. Ali, ouvi urros. Eles começaram a cortar os meus colegas. Daniel, acho que morreu sem saber o que estava acontecendo", contou Nivaldo ao canal Crimes S/A.

CRIMINOSOS

Foram denunciados à Justiça, pelo crime, Benjamim Franco da Silva Santos, conhecido como Amanda ou Franklin, e um adolescente de 17 anos. Segundo a denúncia, Benjamim, integrante da facção criminosa Bonde do Maluco (BDM), em companhia do menor, atraiu os cinco motoristas para o local da execução criminosa.

Benjamin foi preso e condenado. Foto: divulgação/SSP

Junto com Jeferson Palmeira Soares, vulgo Jel, líder da facção BDM; Antônio Carlos de Carvalho, vulgo Nonon; e Marcos Moura de Jesus, eles assassinaram quatro motoristas. À exceção de Benjamim, todos os integrantes da quadrilha estão mortos. "Jel", inclusive, foi assassinado um dia depois da chacina.

Segundo o promotor de Justiça Davi Gallo, o crime foi motivado por vingança. “No dia anterior, Jeferson teria efetuado chamada para diversos motoristas com o objetivo de socorrer um parente, mas as corridas não foram aceitas em razão de tratar-se de local violento e inseguro, e a pessoa que seria socorrida veio a óbito”.

Em abril desse ano, a travesti foi condenada a 63 anos e oito meses de prisão. 
 

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