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Que Tal? O poder do holofote, por Eugênio Afonso

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Da redação

Sala de espera de consultório dentário...

Que Tal? O poder do holofote, por Eugênio Afonso
Portal do Casé

Cena 1

Sala de espera de consultório dentário apinhada de gente de todas as cores, tamanhos, idades e credos. Todo mundo à espera do seu momento de dor. Até porque mesmo limpeza de dente é sofrido. Mas todos ali, aguardando o nome ser pronunciado.

De repente, abre a porta da dentista e sai de lá um cantor de axé, de Salvador. Desses bem famosos. Dos mais famosos mesmo. Alguém bastante reconhecível. De talento bem duvidoso, mas com nome cravado na história da alegórica axé music.

Beija a profissional, se despede e passa pela sala impávido, como se ali não houvesse ninguém. Como se fôssemos todos invisíveis (e pra eles somos mesmo). Nem um olá, nem um boa tarde, nem um como vai.

Silêncio. Todo mundo o reconhece, mas ninguém diz nada. Como se acreditasse que artista é assim mesmo, está sempre ocupado. Não tem tempo para dar atenção à plebe ignara. Então, tá.

Cena 2

Sala de espera de consultório dentário. Apinhada de gente de todas as cores, tamanhos, idades e credos. Todo mundo à espera do seu momento de dor. Até porque mesmo limpeza de dente é sofrido. Mas todos ali, aguardando o nome ser pronunciado.

De repente, abre a porta da dentista e sai de lá um cantor de axé, de Salvador. Desses bem famosos. Dos mais famosos mesmo. Alguém bastante reconhecível. De talento bem duvidoso, mas com nome cravado na história da alegórica axé music.

Logo na entrada da sala, uma câmera de TV aguarda o famoso para gravar um desses programas popularescos, de qualidade bem questionável. Toda a equipe a postos.

Sorrindo, ele se despede da profissional e cumprimenta a todos, beija alguns, distribui selfies, autógrafos e simpatia. Um primor de ser humano. Conversa um pouco, gargalha e segue em direção à câmera.

Provavelmente, a gravação deve continuar em outras plagas. Conta a história de um artista em sua terra natal. A ideia é passar a imagem de alguém, além de 'talentoso', muito popular e simpático, afinal toda celebridade é refém do público.

As pessoas colaboram e sorriem de volta. Tudo sai melhor do que o desejado. Sabe-se depois que o cantor desentendeu-se com um dos câmeras e quase partiu para as vias de fato.

Mas isso foi já no final das gravações e a edição jamais permitirá que sua imagem de bom moço seja manchada. Quando o programa for ao ar, as redes sociais estarão coalhadas de comentários do tipo: 'ele é tão simpático', 'você viu, cumprimentou todo mundo', 'sempre soube que ele era assim', você percebe em cima do trio que ele é um artista do povo'.

Em tempos midiáticos, o poder do holofote é incomensurável e evidencia que existem sempre dois artistas, o da luz apagada - basicamente desconhecido dos fãs - e aquele da luz acesa, que irradia bom mocismo e emociona quem acompanha sua carreira.

E assim caminha a humanidade....

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