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Uma questão religiosa, por Eugênio Afonso

Data:
Eugenio Afonso

Fui percebendo aos poucos que o meu amor pelo teatro não era um amor qualquer...

Uma questão religiosa, por Eugênio Afonso
Freepik

Cada um reza onde não lhe dói os joelhos, imagino eu...costumo me abençoar sentado, até porque meu templo é o teatro, o espaço físico mesmo. É lá que sinto a presença dos deuses, é lá que me baixa uma calmaria, uma felicidade e um bem estar quase mediúnico.

Ufa. É impressionante como aquele espaço me transforma, me transporta, me delicia. E é assim desde sempre. Quando criança, em Vitória da Conquista, juntava os amigos da rua e fazia teatro no quintal de casa.

Público, obviamente, era composto de pais, vizinhos e irmãos. Arrecadação era trocada por chiclete para distribuir para a plateia. Já éramos comunistas sem saber (risos).

Adolesci e vim pra capital. Assim que assentei os pés na cidade grande, comecei a frequentar os teatros. Uma, duas, cem, mil, cinco mil. Perdi a conta. Talvez já tenha visto umas oito mil peças, talvez mais, talvez menos. De tudo quanto é jeito, de tudo quanto é tipo, com tudo quanto é gente.

E por mais que eu vá e vá e vá ao teatro, sigo querendo ir e ir e ir. Nesta religião é assim. Há uma necessidade de frequentar o templo, senão a fé não se dá.

Já vi todo mundo que interessa para mim, ou quase, em cena. Das maiorais - Marília, Fernanda e Bibi - a tantos outros e outras quase tão bons quanto. Alguns espetáculos arrebatam, outros entediam.

Mas, ainda assim, estou lá. Para mim, é cesta básica. Comer, beber, fazer exercício e consumir arte. Sem este quadriênio não me sustento em pé. Empalideço, entristeço, esmoreço, desabo.

Acredito que, ainda muito jovem, estava fadado ao enquadramento, ao aborrecimento, a uma vida cartesiana. O teatro chega para me salvar. Me abre, retorce, esquadrinha, arrebata e me entontece de amor.

Está tudo ali. A palavra, a ação, a luz, a personagem, a vestimenta, o cenário, a música, e as formidáveis histórias de tantos seres humanos inventados ou não.

Dona Doida, com Fernandona, me escancarou as vísceras. Vau da Sarapalha, lá da Paraíba, me deixou atônito, sem voz, embasbacado. Marília Pêra, inúmeras vezes, todas as vezes, milhões de vezes me emudeceu, encantou.

Para quem está enfermo, recomendo quatro sessões teatrais por mês, uma por semana. Não tem contraindicação. Não precisa mexer, despejar num copo, nem é de conta-gotas. Basta um bom perfume, uma boa roupa, uma boa disposição e uma boa peça. Duas horas depois, em média, dá-se o efeito. Se não melhorar, é porque errou na dose do perfume (risos).

Fui percebendo aos poucos que o meu amor pelo teatro não era um amor qualquer, era uma questão interna, profunda, religiosa, uma necessidade da alma. Se não vou, sinto um vazio, uma melancolia, uma falta de sentido, uma mesquinhez cotidiana, um rame rame sem fim.

Aí me enfeito, perfumo e me dirijo para estar diante do palco.  Hoje, sei que preciso estar lá e ponto. E vou. E vou mais uma vez. E torno a ir. Ainda bem! 
 

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