Ele chegou lentamente. Veio quase todo Preto, com reflexos dourados e brilhantes se destacando no mar da Baía de Todos os Santos.19 de fevereiro de 2004,uma quinta-feira, tinha acabado de amanhecer. Eu fiz questão de acordar mais cedo para ver a chegada a Salvador do maior transatlântico do mundo na época: o Queen Mary 2.
A capital da Bahia foi a primeira cidade brasileira a receber o navio. A visão imensa da embarcação me deixou impressionado e triste. O Queen Mary chegou com o carnaval que começava naquele dia e eu estava escalado para transmitir a festa como âncora. O que fazia, e faço até hoje. Por isso, não podia acompanhar minha mulher e família na viagem inaugural do navio com capacidade para 2 mil e 600 passageiros e conhecido pelo bom gosto a bordo com obras de arte avaliadas em 5 milhões de dólares. E, para mim, o melhor de tudo, 14 bares, restaurantes ,4 piscinas, um cinema e um teatro. Nem pensar! Ou melhor, só no pensamento.
Na real, eu tinha mesmo era que me preparar para enfrentar horas de Sol no Campo Grande, decorar trechos das músicas do carnaval e ficar por dentro das coreografias e novidades da festa. O transatlântico ficou em Salvador até a noite. Depois foi para o Rio de Janeiro, de onde seguiu em direção à Europa. A minha viagem foi outra.
Como em todo carnaval da Bahia, os artistas disputam troféus e a preferência do folião com músicas que caiam no chamado "gosto popular". Aquele foi o ano de '’Solteiro em Salvador", música da banda A Zorra que era cantada pelo Chiclete com Banana e Jammil e Uma Noites, duas bandas que acabaram se desfazendo por divergências e brigas entre eles.
Trabalhar no carnaval não é mole, não! Além de muita energia física e mental, a gente tem que ficar o tempo inteiro ligado na concorrência. É o chamado Ibope, a miséria da televisão. Para o bem e para o mal, a audiência, muitas vezes, dita falas e imagens nas telas das emissoras.
No carnaval, essa disputa se acirra nas transmissões, onde âncoras e repórteres disputam a atenção das estrelas da festa e do público também.
Naquele carnaval, enquanto o Queen Mary 2 singrava luxuoso pelo Atlântico em direção à Europa, eu suava e, com a ajuda de Red Bull com água, simulava drasticamente discretos passos de coreografias e balbuciava versos de sucessos da folia. Ah… o ibope, que sacana!
Durante a transmissão, entre os entrevistados do dia, a banda Jammil estava comigo no camarote de trabalho, como eu costumo chamar aquela estrutura, que no passado era bem mais modesta e desconfortável, conhecida como praticável.
A entrevista com Tuca, Manno e Beto estava rendendo bem no astral e nos números, com a banda também cantando ao vivo "”...agora eu quero sair todo dia, dançar, gritar, beijar a noite inteira…ai,ai,ai! Tô solteiro em Salvador…". No meio da apresentação, os meninos do Jammil, sabendo que minha mulher estava viajando, gritam no microfone aberto para o público; "Casemiro tá solteiro em Salvador!" Para piorar, eu confirmo e arrisco cantando o refrão da solteirice. Pra quê? Logo depois,a produção me chama dizendo que tinha um telefonema urgente para mim. Era minha mulher. Já tinham ligado para ela, lá no navio, dedurando a minha suposta condição de solteiro nos dias da folia. Depois da bronca, do tamanho do Queen Mary, eu fiquei pianinho e,na dúvida,não cantei mais nada naquele carnaval. Maldito Ipobe!