Marido mata mulher a facadas e queima o corpo; Nove mortos em uma chacina na Região Metropolitana; ônibus é incendiado e deixa bairro sem escolas e postos de saúde. Manchetes que se repetem na imprensa de um dia para o outro. O que foi destaque hoje, amanhã, ou depois, não é mais. Outros casos de violência aparecem. Tempos atrás, não era assim. Não venho aqui levantar a discussão sobre métodos e estratégias de segurança de governos e secretarias para combater a criminalidade. Claro que em função dessas ações ou da falta delas, o ritmo das notícias policiais cresceu de forma assustadora. Antes, um crime que chamava a atenção não caia tão rápido no esquecimento.
Eu cobri um crime desse tipo e vou contar como foi.
No verão de 1991, Salvador fervia. Baianos e turistas curtiam o começo do Carnaval, o sol e o mar, principalmente na praia mais badalada da cidade: o Porto da Barra. No sábado de carnaval, cerca de 3 km dali, no bairro dos Barris, a descoberta de um gari sujou (desculpas pelo trocadilho) o verão. Ele encontrou uma perna, jogada no lixo. Polícia chamada, começa a investigação e vem outra descoberta macabra: o resto do corpo foi localizado em uma ladeira próxima. O caso estoura nas TVs e jornais e não se falava em outra coisa na cidade.
A investigação, sob o comando do delegado Euplio Lyra, da 1ª Delegacia do complexo dos Barris, chega à principal suspeita, a empregada doméstica Lourdes Maria da Silva Sena, 23 anos. Na apresentação, na sala do delegado, a imprensa se viu de frente com uma mulher pequena, negra e com cabelos alisados. Lourdes aparentava calma, olhar tímido e desconfiado. A figura de uma empregada doméstica sonhada por muitas patroas. A vítima foi identificada como o radialista Roberto Carlos da Silva, 26 anos. Um homem alto, branco e bonito.
Pressionada, Lourdes, aos poucos, deu detalhes do crime. Ela mantinha um relacionamento amoroso com o radialista que, segundo a suspeita, não assumia o namoro “na rua e no shopping, ele não abraçava e nem dava a mão”. Veio a vingança. Na casa da patroa, uma médica que estava viajando, Lourdes fez caipirinha e tomou com o amante, que caiu no sono ao lado dela, na cama. Ela disse que visualizou bem "o gogó" do radialista e pensou no pomo de Adão como alvo. Foi até a cozinha, pegou uma faca e desferiu o primeiro golpe. Depois, esquartejou o corpo, colocou em sacos plásticos e pegou o elevador para jogar tudo no lixo amontoado na calçada do prédio e na frente de uma casa abandonada em uma ladeira do bairro.
Durante a investigação, um zelador do prédio disse que encontrou com Lourdes no elevador e estranhou a quantidade de ”carne da fazenda da família da patroa” que ela levava.
Mesmo após a confissão do crime, muita gente, inclusive da imprensa, não acreditava que Lourdes tinha feito tudo sozinha. Entre as versões, surgiu a de que ela teve ajuda da patroa, que também teria tido um relacionamento com o radialista.
Na série de entrevistas que fiz, conversei com o médico legista Eutimio Brasil. O que ele me disse caiu como uma bomba na imprensa: a pessoa que esquartejou o corpo tinha conhecimentos de anatomia humana e provavelmente teria usado um bisturi. Como a patroa de Lourdes era médica.... Mas essa suspeita foi logo descartada. Não existia nenhuma prova e nada que fortalecesse a suspeita. Questionada, Lourdes também negou firmemente a participação da patroa no crime.
A confirmação de Lourdes como a principal suspeita foi reforçada na reconstituição.
Dias depois do crime, a rua, endereço da tragédia, foi fechada para a simulação. Poucos jornalistas tiveram acesso ao trabalho comandada pelo delegado Lyra. Como cobria o caso desde o começo, fui um deles. Lourdes reconstituiu passo a passo o que aconteceu; a conversa na cama, a caipirinha, o movimento de respiração no pescoço da vítima dormindo, a facada, o esquartejamento. Um detalhe fechou a culpa da doméstica: o esguicho de sangue no teto do quarto que tinha sido lavado. A perícia cientifica de técnicos confirmou o que ela apontou na simulação e não havia sido notado antes, durante a investigação.
Mesmo com a desconfiança da opinião pública, ainda sem acreditar que Lourdes Maria teria cometido o crime sozinha, e sendo defendida por um advogado renomado e influente, Ney Ferreira, a doméstica foi condenada a 13 anos de reclusão.
O caso sobre esse crime ainda rendeu muitas reportagens. Os comentários eram de que ela não teria matado o radialista, estaria acobertando alguém; Roberto Carlos teria sido garoto de programa na Rua Carlos Gomes e foi vítima de algum empresário...Enfim, muitas histórias nunca comprovadas. Um detalhe serviu para o surgimento de algumas dessas versões. Uma parte do corpo do radialista nunca foi encontrada: o pênis.
Eu fui algumas vezes ao presídio feminino do Complexo da Mata Escura, onde Lourdes Maria cumpria pena. Cheguei a levar para ela xampu, condicionador e perfume. Produtos que me pediu nas primeiras entrevistas, assim que foi presa. Eu continuava insistindo nas perguntas sobre a autoria do crime. Ela sempre repetia o que já tinha dito.
Demorou, mas com o tempo, esse caso também foi esquecido. Soube que Lourdes Maria foi uma detenta “exemplar”, querida pelas colegas de cadeia. Por causa do bom comportamento e das brechas das leis brasileiras, ganhou a liberdade antes de completar os 13 anos determinados pelo Júri Popular. Por onde ela anda? Só Deus sabe!