Com dezenas de anos de experiência na advocacia da Bahia, Vivaldo Amaral é figurinha carimbada em grandes casos criminais, que envolvem principalmente júri popular. Primeiro advogado da médica Kátia Vargas, já fez mais de 700 júris em toda a carreira. Na semana passada, foi cotado para ser secretário da Administração Penitenciária da Bahia e já foi indicado para uma cadeira de desembargador do Tribunal de Justiça.
O Portal do Casé publica nesta segunda-feira um bate-papo com o advogado. Em entrevista ao repórter Jean Mendes, Vivaldo Amaral faz declarações sobre colegas que ostentam nas redes sociais; relembra o caso que mais lhe chocou; e comenta sobre situações de policiais denunciados em crimes.
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Jean Mendes - Hoje, vejo que alguns advogados têm usado as redes sociais como forma de divulgação de trabalho, apesar de a Ordem dos Advogados do Brasil regulamentar a propaganda para a classe. Alguns, inclusive, ostentam viagens e afins. Como o senhor enxerga isso?
Vivaldo Amaral - A OAB disciplina a atividade profissional do advogado. Vejo que estamos em um momento difícil da advocacia e cada um se salva como entende. Costumo orientar aos meus advogados, colegas do escritório, nesse sentido de evitarem ostentar. Às vezes vejo colegas em veículos de grande porte, veículos caros. Soube que tem colegas que alugam veículos para poder fazer o chamado Instagramável. Eu sou um velho advogado. Sou de uma época que rede social não existia. Sou de um período que a gente conquistava o cliente com o trabalho. E é isso que passo para os advogados: faça um bom trabalho que o cliente vai lhe indicar. É o boca a boca. O pós-venda. Receba-o e cuide dele que ele vai voltar e indicar. Não precisa ficar tirando foto com Mercedes, com Maserati, com charuto, querendo passar que você é mais rico ou menos rico. Acho que a pessoa pode ter um Instagram simples e fazer um bom trabalho. Não precisa ostentar, para até querer humilhar seu colega fumando charuto, com viagens caras. Sou contra esse tipo de comportamento.
J.M - Começa, agora no mês de maio, o julgamento do caso envolvendo o menino Joel, que havia feito propaganda do Governo da Bahia e foi morto em uma ação da PM. O senhor defende um dos acusados, o tenente Alexinaldo. O que esperar desse julgamento popular?
V.A - Peço perdão, por uma questão de estratégia, de não avançar no assunto. Mas digo: aguardem, que surpresas existirão. Também, até para não ficarem ansiosos, vocês. Vamos dizer in loco, que o Alexinaldo não tem nada a ver com isso. Vamos dizer e provar. Temos uma bomba, aquela bomba mesmo. Vou fazer algumas perguntas que cairão como uma bomba. É fácil acusar. Eu digo, simplesmente, que não gosto de você e levanto fake news contra você. Mas preciso provar. Suponhamos: você entra em um local, com mais uma pessoa, e sai. Aí, uma terceira percebe que um vaso caro se quebrou. Ou seja, quem fez? Quem adotou a conduta? É necessário ter uma prova.
J.M - O senhor é advogado de um dos PMs envolvidos em uma suposta milícia que agiu, segundo o Ministério Público da Bahia, no município de Paulo Afonso. Esse grupo seria chefiado pelo então comandante do 20º Batalhão da PM, tenente coronel Carlos Humberto da Silva Moreira. Cinco acusados estão, hoje, proibidos até de entrar em batalhões e outras unidades da PM, por exemplo. O que o senhor pode comentar dessa situação?
V.A - Há duas vertentes: direito criminal e administrativo. Eles foram processados e julgados em Paulo Afonso por três juízes preparados e sérios. Foram vários promotores do Gaeco [grupo especial do Ministério Público]. Esses três juízes absolveram Humberto e os demais policiais. Juízes que começaram desde o início, que colheram depoimentos de testemunhas; que assistiram todo o desenrolar do processo. São juízes que tomaram depoimentos dos cidadãos. Eles sentiram que o Ministério Público não provou que tudo era verdade. Insatisfeito, o MP recorreu para o Tribunal, que pronunciou. É indício de autoria e eles foram ao júri. Esse processo 'sobe' para Brasília e vai para o STJ [Superior Tribunal de Justiça]. Depois, STF. No processo disciplinar, pode vir uma demissão. O que aconteceu no PAD [Processo Administrativo Disciplinar]? Foram absolvidos. É aquela primeira fase. Isso é levado ao comandante-geral [...] Eu entendo que eles serão absolvidos, os cinco. Eu tenho certeza. Acredito que o STJ confirme a inocência. Se vierem a júri, acho que o povo absolve.
J.M - O senhor foi o primeiro advogado da médica Kátia Vargas Leal Pereira, acusada de matar dois irmãos no bairro de Ondina, após uma perseguição veicular. Ela foi absolvida em júri popular. O senhor mantém contato com ela? Como Kátia Vargas está hoje?
V.A - Não tenho tido contato com ela. Quem passa por uma situação daquela, fica abatida pela injustiça inicial. Hoje, a Justiça foi feita e sabe que ela foi inocente. O caso dela em si foi sensível. Tive casos maiores, que talvez não tiveram essa repercussão toda porque a ré era preta, pobre e da periferia. Doutora Kátia era branca, loira e rica e, talvez, a opinião pública captou.
Jean Mendes - Já conversamos em outra oportunidade, sobre outro caso que o senhor defendeu a ré e foi bem comentado. Uma mulher, Rosanita, foi acusada de matar o próprio marido. Segundo a denúncia, ela teria, ainda, esquartejado a vítima e fritado as partes. Isso aconteceu no bairro do Vale do Ogunjá e a vítima era, inclusive, policial militar. Aquele foi o caso que mais lhe chamou a atenção na carreira?
Vivaldo Amaral - Davi Gallo a batizou de Rosanita 'picadinho'. Ela foi acusada de dopar, esquartejar e fritar o marido no bairro do Vale do Ogunjá. Ela era inocente. Acredito até hoje nisso. O delegado que chegou, convidado pelas filhas, filmou um tacho de azeite com a cabeça dentro, fervendo, e outras partes do corpo. Esses pedaços foram para a necrópsia. Eram restos mortais do marido dela. Foi ela? Não. Ela disse que, se denunciasse, os marginais iriam fazer aquilo com ela. Ela morreu na prisão e não denunciou. Isso tem mais ou menos 18 anos. O juiz era Cássio Miranda. Na acusação, começou Davi Gallo, grande promotor. Em plenário, ele recuou, e doutora Armênia entrou. Foi um júri demorado e pesado. Vieram pessoas de outros países. O delegado foi Nilton José Costa Ferreira. Ela pegou 30 anos de prisão. Ninguém quis ser a testemunha dela. Os quatro filhos depuseram contra a mãe. Disseram que tinham medo da mãe.
J.M - Quando um cliente chega no seu escritório, qual é o primeiro passo para atendê-lo?
V.A - Cada caso é um caso. E ele sabe que tem que contar a verdade. Somos médicos da alma. O criminalista é aquele médico espiritual. Deus lhe livre, que você nunca respondeu a um processo judicial. Mas quem já recebeu a visita de um oficial de justiça e disse: 'daqui a dois meses você vai depor em um processo que você está acusado'. São dois meses sem dormir direito. A primeira coisa que você vai fazer é ligar para um criminalista. Ele vai lhe receber e dizer o que você talvez queira ouvir: 'fique tranquilo que vamos trabalhar'.
J.M - Hoje, diversos crimes, principalmente os contra a vida, são filmados por câmeras de segurança ou até mesmo por testemunhas. Isso atrapalha, entre aspas, a vida do advogado criminalista que vai defender o acusado?
V.A - Vivemos num grande Big Brother. É necessário que o caso chegue para que a gente, juntos, consiga dar uma roupagem ao fato. Se não tirar o cliente daquele problema, vamos amenizar. Imagine que A atira em B. Câmera fotográfica e várias pessoas com o celular. Aí, amigo, você vai dizer que ele não fez? Aí, vamos diminuir os efeitos do problema. O advogado tem que ser estrategista, advogado, psicólogo. Tem que ser gestor, leitor e escritor. O criminalista tem que ter conhecimento de todas as áreas.
J.M - O senhor fez um evento, que estava lotado, para mostrar a jovens advogados e outras pessoas como funciona um Tribunal do Júri. Depois de 30 anos advogando, o senhor quer ensinar?
V.A - Temos um Centro de Estudos Jurídicos e meus colegas resolveram batizar com meu nome, talvez por eu ser mais velho. Eu brinco que sou o vovô do grupo. Fica no Comércio. Por que eu criei? Eu tenho pensamento de levar educação para jovens da periferia, para pessoas carentes. Acredito na educação. Acredito que vamos reduzir índices de criminalidade. Na condição de advogado e ex-policial, aonde tem estudo, o livro, a arma não impera. Digo o bordão: mais estudantes, menos presos. Acredito na educação em tempo integral, levado pelo também professor Jerônimo Rodrigues. Estou feliz com a postura dele de levar a bandeira da educação [...] Foi preciso um professor para chegar e colocar o dedo na ferida. É um trabalho que ele não vai resolver em um mandato ou dois. O CEJVA é uma gotinha.